JULINHO

por LUIZ EDUARDO LAGES

LUIZ EDUARDO LAGES

LUIZ EDUARDO LAGES

Quando o lateral-esquerdo Sven Axbom, depois da final da Copa do Mundo de 1958, chegou nos estúdios da televisão sueca para ser entrevistado, surpreendeu a todos. Depois de levar um verdadeiro baile de Mané Garrincha naquela final, quando o Brasil goleou a Suécia por 5x2, conquistando seu primeiro título mundial, no caminho do tetra, chegando a cair sentado por diversas vezes durante a partida, o que mais se esperava era que ele declarasse a genialidade de Garrincha, para diminuir um pouco a humilhação. Mas nada disso, Axbom declarou e declara até hoje que Garrincha era muito bom, excepcional, mas que havia um ponteiro-direito na Fiorentina, Júlio Botelho, que ainda era melhor e que felizmente não havia sido convocado, do contrário, poderia ter sido ainda pior. Quem vos escreve já assistiu pela tv, mais de uma vez, esta declaração em diferentes programas. Evidente que é um exagero. Garrincha foi o maior ponteiro-direito em todos os tempos e eleito pela FIFA até hoje como tal. Mas, por outro lado, o autor destas linhas acredita piamente que, sem dúvida alguma, a análise objetiva dos fatos concede a Júlio Botelho, o nosso inesquecível Julinho, o título de segundo melhor ponteiro-direito da história do futebol brasileiro, depois de Garrincha. Vi de perto os dois em ação. Garrincha nos treinos e nas grandes e inesquecíveis partidas da fase áurea e sublime do Botafogo, clube que frequentei na infância e adolescência e onde meu saudoso genitor era diretor e benemérito, tendo prestado inestimáveis serviços ao clube da estrela solitária. O extraordinário Julinho nos jogos da Lusa, a Portuguesa de Desportos de São Paulo e posteriormente no Palmeiras, já que na minha cidade natal, Rio de Janeiro, eu sempre assistia o outrora muito importante "Torneio Rio-São Paulo", maior competição interestadual daquele tempo, justamente chamado de "ANOS DOURADOS". Era o prenúncio do futebol que viria a se sagrar tetracampeão do mundo. Além, é claro, dos fabulosos espetáculos proporcionados pela Seleção Brasileira. Mas voltando especificamente a Garrincha e ao nosso focalizado Julinho. Qual a diferença? Os dois driblavam muito bem, para ambos os lados e não tão somente para o lado direito como querem alguns pseudo-historiadores. Garrincha na Copa de 62, onde dividiu a artilharia, marcou gols com os pés direito e esquerdo, de cabeça e atuando em todas as posições do ataque, suprimindo a ausência, por contusão, do inigualável Pelé, considerado e eleito pela FIFA e todos os especialistas do mundo como o melhor jogador de futebol em todos os tempos.

Julinho, por sua vez, driblava efetivamente para os dois lados e sempre fechava perigosamente pelo meio, além de também ir à linha de fundo para cruzar. Teria sido consagrado, como Garrincha, não tivesse deixado a Portuguesa e ido para a Itália, numa época que quem saia do país, jamais era convocado enquanto estivesse lá fora. Posso afirmar que o lugar era dele, já que brilhara tanto na Copa de 54, que o grande Puskas dissera: -"O melhor do time do Brasil é Julinho!". Vicente Feola não hesitaria em escalá-lo. Com Julinho, não tenho dúvidas que o Brasil também teria conquistado o bicampeonato, vencendo tanto na Suécia, como no Chile, e hoje, o ex-jogador do Juventus paulistano, Portuguesa de Desportos, Fiorentina de Firenze e do Palmeiras, estaria possivelmente consagrado com todas as honras, que com toda a justiça, são atribuídas a Garrincha. O fato do Mané ter sido o melhor (e sobre isto não existem dúvidas), não quer dizer que Julinho ficasse muito longe dele. E, lógico, teria dado o mesmo baile em seus marcadores, mais ou menos dentro do mesmo estilo, como envergonhado disse Sven Axbom, o lateral sueco de 1958.

Júlio Botelho nasceu na cidade de São Paulo, no dia 29 de julho de 1929. Depois de começar na escolinha do Juventus, tradicional clube da capital paulista, transferiu-se para a Portuguesa de Desportos em 1951, tendo lá permanecido até 1955. Conquistou pela Lusa, sob o comando de Oswaldo Brandão, o Torneio Rio-São Paulo nos anos de 1952 e 1955, na época, como já dissemos, o principal torneio, pelo nível de qualidade, do país. Quando defendia a Portuguesa, foi chamado pela primeira vez, tanto para a seleção paulista, como para a brasileira, onde em ambas, foi titular absoluto. No ano de 1952, quando foi convocado pela primeira vez para integrar o time principal do Brasil, ajudou o país a ter seu primeiro título internacional no exterior, ao conquistar o então muito importante Campeonato Panamericano de Seleções. Neste torneio a Lusa foi a base do time brasileiro, cedendo quatro (4) jogadores e todos acabaram titulares naquele timaço dirigido por Zezé Moreira: Djalma Santos, Brandãozinho, Julinho e Pinga. Este quarteto da Portuguesa de Desportos, que havia se consagrado nacionalmente ao vencer o "Rio-São Paulo" daquele ano, viria a ser a base da Seleção na Copa do Mundo de 54, só que já com Pinga representando o Vasco da Gama.

Julinho foi vendido no final de 1955 para a Fiorentina e logo em seu primeiro ano, foi campeão italiano, na temporada 55/56, quando o time de Firenze conseguiu vencer seu primeiro campeonato em toda a sua história (é sempre conveniente lembrar que o clube tem apenas dois títulos, o outro na temporada 68/69, com o brasileiro Amarildo fazendo parte do time). Nos outros dois anos que esteve na Fiorentina, Julinho foi vice-campeão na península e chegou à final da "Copa dos Campeões" europeus, em sua segunda versão, no certame de 56/57, perdendo o título, no campo do adversário, para o timaço do Real Madrid por 2x0, ambos os gols assinalados no segundo tempo, o primeiro por ninguém menos que Di Stefano (de pênalti) e o segundo pelo legendário ponteiro-esquerdo Gento. O time-base da Fiorentina que foi arrasador na conquista do seu primeiro "scudetto", no campeonato de 55/56, tendo deixado o Milan à doze pontos em segundo, era formado por SARTI, MAGNINI e CERVATO; CHIAPPELLA, ROSETTA e SEGATO; JULINHO, GRATTON, VIRGILI, MONTUORI e PRINI. Julinho neste campeonato participou de 31 jogos (em 34), tendo assinalado 6 gols. Retornou ao Palmeiras depois da Copa do Mundo da Suécia, em 1958, onde venceu com o verdão os campeonatos paulistas de 59 e 63, a Taça Brasil (Campeonato Brasileiro à época) em 1960, além de duas vezes o "Rio-São Paulo" nos anos de 65 e 67. Ainda conquistou a Copa Rocca, confronto direto com a Argentina, em 1960.

Para finalizar e só para ilustrar, disputou 27 partidas no time principal do Brasil, vencendo 18, empatando 2 e perdendo 7, assinalando 13 gols. Comparando com Garrincha, que disputou quase o dobro dos jogos de Julinho (50 contra 27), para assinalar o mesmo número de gols (13), até que mostrou mais poder de marcar do que o fenomenal Mané, que por outro lado tinha mais poder de construir as jogadas, servindo e fazendo a fortuna dos companheiros, especialmente dos centro-avantes (matadores) de sua época. Julinho encerrou a carreira no próprio Palmeiras, em 1967, quando havia completado 38 anos. Nunca me esquecerei do jogo no Maracanã, quando foi escalado para substituir Garrincha, que estava contundido, contra a Inglaterra, em 1959. Ao ser anunciada a sua escalação, recebeu uma vaia da platéia carioca, que não admitia não contar com o titular, o demônio da Copa de 58. Julinho entrou, com sua autoridade de craque e acabou com os ingleses. O Brasil venceu por 2x0, tendo ele, Julinho, marcado o primeiro gol. Saiu ovacionado, com a mesma platéia bairrista que o vaiara, aplaudindo de pé, como no final de uma ópera do "La Scala" de Milano.

Julinho, grande produto revelado pela Portuguesa de Desportos, é até hoje considerado aqui no universo europeu, especialmente pelos torcedores da Fiorentina, um dos melhores jogadores brasileiros que já atuaram no velho continente, faz parte do time de todos os tempos desta mesma Fiorentina e é, para mim, um dos maiores estilistas que já atuaram na Europa, em todas as épocas.

FIM

ARTIGO DE AUTORIA DO JORNALISTA
LUIZ EDUARDO LAGES, ESCRITO EM 7 DE NOVEMBRO DE 1998.

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